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Perfeccionista, eu?

  • Fernanda Barreto
  • Sep 11, 2023
  • 3 min read

Há pouco tempo surgiu em um grupo de amigas o assunto “perfeccionismo”. O contexto era profissional e na hora pensei “ah, eu nem sou perfeccionista, mas deixa eu pensar aqui em como posso contribuir para esse debate”. Enquanto escrevia algumas impressões, fui refletindo sobre a minha autoafirmação. E percebi que a minha autoimagem estava um tanto distorcida. Como resistir à cobrança pela excelência no mundo de hoje?


Eu não era a mais detalhista na época dos trabalhos de escola ou faculdade. Eu não olho tudo nas letras miúdas para não deixar passada nada. Eu não fico um tempão para escolher as coisas com medo de não sair exatamente como eu queria. Oras, então está fácil eliminar a característica “perfeccionista” da minha lista. Mas.... Fui olhar mais fundo onde isso poderia aparecer na minha vida e foi aí que o jogo virou.


Em primeiro lugar, pensei nas minhas amizades. Quem me conhece um pouco deve reconhecer a importância que cultivar bons amigos tem na minha vida. Eles têm um peso muito importante para mim, eu me preocupo e divido angústias e problemas como se fossem meus, eu quero estar junto, eu procuro, eu valorizo. Eu sou praticamente grudenta. Então como é lidar quando um laço de amizade se desfaz? Nos momentos em que isso aconteceu na minha vida até agora, eu perdi o chão. Eu fiquei desnorteada, procurando respostas, argumentos, explicações. Não é possível que aquela magia simplesmente ia se sumir. A Fernanda perfeccionista simplesmente não aceita perder uma amizade. Bingo.


Eis que me deparei com um texto da Lua Barros em que ela começa assim: “Mas o fato é que ano passado eu morri. Experimentei um degrau novo e mais fundo do meu poço”. E ela explica: “A causa da minha morte foi amizade perdida. Uma dor dilacerante por falta de respostas ou uma justificativa”. E assim eu me enxerguei em cada uma daquelas palavras.


E o perfeccionismo não para por aí. A cartilha da boa mãe te coloca de frente com os testes mais rigorosos quando o assunto é autocobrança. Essa cartilha faz bem para quem? Está libertando quem? Ou, melhor, não está aprisionando quem? “Nós estamos capturadas pela fantasia da performance”, disse a psicanalista Vera Iaconelli em entrevista ao jornal O Globo recém-publicada. Estamos finalmente aceitando e colocando na mesa uma discussão que até então parecia impensável: a sobrecarga materna. Ainda é difícil admitir em público, mas acredito que estamos em evolução até conseguir ser aceitável assumir que não amamos todas as partes da maternidade. Se não amamos nenhum dos papéis que assumimos nessa vida, por que com a maternidade seria diferente?


O sistema fez um bom trabalho convencendo a gente que temos que nos orgulhar de ter jornada dupla, tripla ou sei lá. Crescemos confundindo exaustão com competência. E a maternidade não escapou disso. Toda vez que me sinto mais insegura, estou mais suscetível à comparação. Exalto falhas, bato a cabeça na parede me autocondenando porque qualquer coisinha, e celebro pouco as conquistas. A cada tempo livre a cabeça começa a lista mental: “eu deveria”, “eu tenho que”, “eu não posso deixar de”. Ao final do dia qualquer um está um caco!


“Estamos capturadas pela fantasia de performance, retroalimentada pelo neoliberalismo, no qual vou dizer, “nossa, olha só, eu sou CEO da empresa, estou linda, de unha feita, cuido do meu filho, só eu consigo botar ele para dormir, e ainda faço ginástica”, sentencia Iaconelli na tal entrevista. A romantização da exaustão que só cresce e torna-se condição de sucesso. Nem a menos perfeccionista do mundo resiste à tamanha pressão.

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3 Comments


Irene Chaves
Irene Chaves
Sep 13, 2023

Seu texto abre tantas portas, Nandinha! Mas antes preciso comentar: Como assim vc duvidou da sua verve perfeccionista? rs. Vejo esse traço em vc em muitos momentos, mas a sua busca por perfeição é por "dar o melhor", "escolher o melhor" e isso vc faz muito bem!

Pensar essa questão com a ótica do trabalho e maternidade! Ai um novelo se desenrolou e me levou além. Muito passou pela minha cabeça, mas voltava quase sempre para um ponto onde vc tb esbarrou: como essa cobrança age "muito bem" em cima das mulheres, né? Como temos que ser "perfeitas" em tudo! Aff.


Adorei o texto! <3


beijos

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renatinhabahiense
Sep 13, 2023

Perder uma amizade é muito dolorido, sabendo ou não o motivo. Beijinhos de uma mãe exausta que demorou 2 anos e meio para deixar o filho por 5 dias e ir viajar!

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isabellamedeiros
Sep 12, 2023

Texto maravilhoso, Nandinha.

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Quem eu sou

Meu nome é Fernanda e sou jornalista, aquariana, carioca e mãe de dois filhos. Adoro conversar, trocar ideias e viajar. Acima de tudo, busco cada vez mais sentir-me inteira. É por isso que criei o Blog Carta Aberta, um espaço para compartilhar minhas reflexões, histórias e experiências. Acredito que a escrita tem o poder de nos conectar, nos curar e transformar. Espero que você encontre aqui um lugar para se inspirar, refletir e se sentir acompanhado em sua jornada. Seja bem-vindo!

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