Ser mãe e filha
- Fernanda Barreto
- Aug 1, 2023
- 2 min read
Eu não imaginava que seria assim. Nos meus sonhos e planos, minha mãe seria aquela a quem eu recorreria em qualquer situação com meus filhos. Um pouco de fantasia, sem dúvidas, um pouco de romantismo talvez, mas um desejo genuíno de vê-la renascer com a chegada de mais netos. No entanto, a vida nos surpreende e nos desafia. Eu planejei. Mais uma vez, acreditei que teria controle de como as coisas seriam. E toca aqui se você é membro do CA, o grupo das Controladoras Anônimas, e que está calejada de tanto cair do cavalo.
Todo mundo espera que vá chegar o dia em que vamos virar pais dos nossos pais. Mas mesmo sabendo disso, tem como se preparar? Ou é mais uma vez a ilusão que o suposto controle faz questão de nos enganar? Talvez seja apenas esperar e deixar fluir o tempo das emoções. O próprio sentir funciona como cura.
Minha mãe entende, mas não entende. Ela lembra, mas não lembra. Ela sabe, mas não sabe. Mistérios de um cérebro que já não funciona mais como antes. Nessa nossa nova fase, um grande desafio é construir uma nova imagem de memória. Todo dia é dia de produzir uma nova memória. Olhar para o presente, viver o agora. Enxergar e aceitar quem é a mãe que a minha mãe se tornou. Outro dia eu li que os neurocientistas dizem que é muito mais fácil construir memória na dor, que o cérebro guarda muito mais. Reconheço, concordo e estou tentando fazer diferente.
Filhos são um convite a reescrever a nossa história através deles. E encarar o lugar de onde viemos. Quando meu filho nasce, não é uma tela em branco. Ele é um espelho da minha história, das minhas emoções, das vitórias e das coisas mal resolvidas. Mesmo a ausência da minha mãe me compõe. E reconhecer essa falta permite me autorizar um pouco mais a minha falta como mãe. Porque sim, ela existe. Em busca de mais leveza, de uma maternidade mais folgada, tirar alguns pesos das costas fazem muito bem, obrigada. Em busca de um pouco de paz. Uma paz de ser mãe e filha.
Mãe, “gratidão” virou palavra tão usada que quase fugimos dela. Mas como fugir da beleza de agradecer, de ser grato. Pelos aprendizados, pela doação, pela entrega. E obrigada também pelas ausências. Tudo isso faz diferença no meu maternar. Tem muita dor e tem muita saudade. E tem também resiliência, aprendizado e coragem. E que a nossa vida continue sendo esse espelho, que reúne o passado, o presente e o futuro.
* Texto publicada no perfil @maeforadacaixa em abril de 2022
Este texto seu, com minha leitura de hoje, me faz pensar sobre as diferentes formas de perda… Nenhuma delas é fácil. Seja esperada, repentina, paulatina. Não sei se faço parte do CA rs, mas sei que a impermanência me assusta muito e me faz tentar, aos poucos, trabalhar minha coragem e meu desapego. Sigo refletindo e tentado, mas sinto que a estrada longa, talvez para uma vida toda…
Irmã,
palavras cheias de ternura e poesia para descrever uma realidade dificil. Para mim é estranho como a doença dela me fez ser mais próxima do que eu e ela havíamos conseguido ser até então.. Enfim, as vezes caminhos estranhos são necessários para ensinar o que deveria ser obvio, para mim foi assim!
Obrigada pela reflexão :)
ps: adorei o CA!
Nandinha, é preciso muito coragem para escrever essas palavras. E mais coragem ainda em aceitar aquilo que não se consegue controlar. Que bonito te ler (voltar a esse texto é muito bom) e te ver refletida nele de uma forma tão sincera e honesta com você mesma. Te amo, amiga!
Toda vez que leio esse teu texto me emociono, Nanda! 💖bjos, Paloma.