Paris, o passado e o futuro
- Fernanda Barreto
- Sep 18, 2023
- 4 min read
Com a minha paixão por Paris, eu sempre tentei dar um jeito de encaixar uma “passadinha” na cidade ao planejar as minhas viagens. Dessa forma, fui colecionando momentos ímpares, aumentando meu repertório de programas favoritos e desbravando a cidade ao lado da minha família, de amigos e do meu amor.
Ainda na escola, meus pais me perguntaram se eu gostaria de fazer intercâmbio. Era um caminho meio natural na minha casa, meus irmãos haviam feito e tinha chegado a minha vez. Apesar de todo Aquário que meu mapa astral traz, eu ainda era uma jovem bastante medrosa e agarrada na barra da saia da mãe. Tive medo e disse que não queria ir. A vida seguiu, e os acontecimentos foram apontando para a mesma direção. Depois de anos lutando na Justiça, minha mãe finalmente conseguiu a sua cidadania francesa. De forma automática, os filhos também. Foi dia de festa bleu, blanc et rouge na minha casa. Pouco tempo depois, meus pais conseguiram o seu sonhado cantinho no coração da cidade. E eis que me perguntei: não seria agora a oportunidade certa de fazer aquele intercâmbio?
E assim resolvi trancar a faculdade e ir morar em Paris por um semestre, onde estudaria francês. Minha mãe estava comigo quando cruzei o portão da Sorbonne para pegar a papelada do meu curso de línguas e civilização francesa. Logo no primeiro contato com a secretária, chamei ela de “tu” e tomei um fora daqueles bem franceses ao ser cortada e corrigida: “c’est vous!”. OK, estava claro que aquelas aulas de francês cairiam bem.
Foram 5 meses vivendo uma vida de local e não há melhor jeito de conhecer uma cidade. Você passa a criar a sua rotina, tem seu trajeto ideal para chegar na aula, o seu sanduíche favorito antes de entrar em sala, o “seu” programa na televisão, o cinema do bairro onde você já conhece o caixa, e aquele “salut” familiar para a dona da padaria (por mais mal-humorada que ela sempre estivesse). Foi uma experiência única. Foi inesquecível. Se eu já era apaixonada por Paris, pronto, estava decretado que evoluímos para um relacionamento sério.
Depois do curso, tive o privilégio de voltar para Paris algumas vezes. Seja na companhia dos meus pais, sozinha ou com as amigas, continuei a minha investigação, a minha imersão na “minha Paris”. Então foi um pouco natural que um bom tempo depois, casada, com dois filhos e em um momento de intensa busca por reconexão, Paris voltasse com força total à minha mente. Eu sonhava em viver novamente um momento comigo mesma, nessa fase da vida em que parecemos cuidar mais dos outros do que de si mesmos. Com muitos planos de uma nova empreitada profissional – mas sem spoiler nesse momento! – uma breve temporada em Paris parecia o ideal. Meu marido generosamente e amorosamente segurou as pontas e pude viver novamente esse sonho.
Lembro do frio da barriga que senti no taxi pouco depois de pousar em Paris. Da janela, a mistura do olhar de encantamento como se fosse a primeira vez e do conforto de me sentir em casa. Eu e João pudemos ter o gostinho de curtir juntos alguns momentos na cidade que também virou símbolo do nosso amor. Até que chegou o dia dele voltar para o Brasil e eu encarar aquela semana de estudos e imersão sozinha. Eu sonhei com aquele momento. Eu planejei nos detalhes. Eu montei uma agenda que quase não havia tempo de respirar. E, mesmo assim, eu fiquei apavorada. A culpa gritava e eu chorava. Chorei com medo de não conseguir. Parecia que eu não tinha o direito de me permitir viver aquela solidão. Mas eu pensei na minha história que me levou até àquele lugar, no privilégio em poder viver aquilo novamente e na minha família, em especial nos meus filhos, que revelaram em mim forças que eu nem sonhava que pudesse ter.
E foi incrivelmente lindo. Intenso em todas suas emoções. Foi vivo. Eu vivi o presente daqueles dias. E me permiti mergulhar em um encontro profundo com meu passado. Como no dia em que eu inocentemente fazia compras no mercado e, parada na frente de uma geladeira de iogurte, chorei copiosamente. A coitada da senhora parou o seu carrinho ao meu lado e perguntou se estava tudo bem. Aquele iogurte era o favorito da minha mãe. Tudo me lembrava a minha mãe. Tudo em Paris vai sempre lembrar a minha mãe. E dói demais não poder mais dividir isso com ela e, ainda mais, saber que ela não pode mais vivenciar e colocar em prática o amor que ela tem pela cidade. Essa missão ela passou para mim.
Agora sozinha, eu cruzei novamente aquele mesmíssimo portão da Sorbonne. Dessa vez, o curso era “Paris et ses monuments”, onde pude mergulhar na história de alguns pontos icônicos da cidade. Ao longo daqueles 6 dias, eu revisitei lugares, eu descobri dezenas de outros, eu fotografei cada cantinho, eu andei pela rua cantando, eu chorei sentada no parque, eu senti o vento batendo no rosto na subida da estação do metrô, eu comi uma salada no banco da praça vendo as crianças brincarem e pensando nos meus, eu almocei três doces diferentes de três cafés diferentes porque fui incapaz de escolher um só, eu tomei chuva, eu torrei no sol, eu me emocionei com cada uma das mais de 10 exposições que eu consegui encaixar na minha agenda enxuta, eu brindei comigo mesma com um taça de champanhe sentada sozinha em um restaurante olhando o movimento da rua.
Paris foi mais uma vez palco de emoções únicas e de memórias que eu espero nunca mais esquecer na minha vida. Eu vivi meu passado, meu presente e meu futuro. Que eu possa ter saúde e coragem para continuar honrando as minhas oportunidades e minhas raízes. Fazer de Paris o meu próprio universo particular. À bientôt!
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